Bayonetta é uma série de jogos eletrônicos (Bayonetta, Bayonetta 2 e Bayonetta 3) em terceira pessoa, de tipo ação e hack and slash, desenvolvido pela PlatinumGames. Foi lançado inicialmente em 2009 e sua sequência em 2014. Está prevista sua terceira sequência para 2022. Teve grande repercussão mundial tornando-se uma franquia bem-sucedida internacionalmente. Bayonetta foi produzido para as plataformas PlayStation 3, Xbox 360, Wii U, PC Windows, Nintendo Switch, PlayStation 4, Xbox One. Bayonetta 2 saiu para Wii U e Nintendo Switch, e Bayonetta 3 será lançado exclusivamente para Nintendo Switch.
O que chama a atenção primeiramente no game é que o jogador controla a avatar Bayonetta, mulher de sapatos scarpan e vestido collant decotado que se transforma numa parte de seu cabelo para deferir seu ataque, deixando-a seminua. Seus outros golpes também podem usar gestos que insinuam certo erotismo corporal, proferindo inclusive uma dança sensualizada. Além de seus poderes mágicos, está equipada com armas de fogo (pistolas) e de contato corpo-a-corpo (espadas, machados etc.). O enredo do jogo trata da luta pelo equilíbrio entre as luzes e as trevas, anjos e demônios, e Bayonetta é uma bruxa do inferno que irá protagonizar a busca pelo equilíbrio entre esses poderes. É nítido a inspiração na Divina Comédia de Dante Alighieri.
Sem dúvida, Bayonetta representa uma mulher inteligente, heróica, agressiva, mística e sexy. Porém, recentemente, uma reportagem denunciou a polêmica sobre supostas intenções sexistas e machistas numa obra de arte de nudez feminina na Itália (“Estátua de mulher ‘sensual’ gera debate sobre sexismo na Itália”, na Revista Istoé, de 30 de setembro de 2021). Acusou que a arte representativa da mulher sexy pode ser uma forma de sexismo e objetificação.
Esse tipo de debate, conforme sugere Carla Rodrigues em “A performatividade de gênero e do político”, na Revista Cult de 14 de setembro de 2015, pauta-se no ponto de vista de Judith Butler de que o gênero é construído socialmente, inclusive influenciado pelas mídias e pelos ideais neocapitalistas, e relacionado às performatividades e normas sociais.
Estaríamos, pois, diante de um game que traz um certo sexismo ao expor a imagem do corpo da mulher de modo erótico, sensualizado e agressivo?
Se pensarmos com S. Freud (em “Arte, literatura e os artistas”), com R. Kaës (em “Os espaços psíquicos comuns e partilhados”), com R. Roussillon (em “Le transitionnel, le sexuel et la réflexivité”), vom S. Tisseron e F. Tordo (em “Pratiquer les cyberpsychothérapies: jeux vidéo, realité virtuell, robots”), entre vários, nos aproximaremos da tese de que os objetos artísticos – incluindo os videogames – não têm função de determinar normatividades nem performatividades sócioculturais. Pelo contrário, são objetos intermediários e maleáveis que têm como função principal permitir a expressão e a tomada de consciência das angústias, mal-estares, fantasias, desejos e medos. Não devem ser censurados, mas cultivados em suas possibilidades expressivas e comunicacionais. Permitem que tomemos contanto e nos apropriemos subjetivamente das múltiplas dimensões do humano demasiado humano que habita o psiquismo, principalmente a luta entre a vida, Eros, e o mortífero, Thanatos. Não são reguladores morais e éticos da sociedade, mas intermediários do trabalho de cultura e a constituição da subjetividade.
Nesse aspecto, Bayonetta não deprecia o corpo, a sexualidade nem a sensualidade da mulher, não coloca a mulher como uma figura submissa a qualquer poder normativo. Se o sexismo é qualquer expressão (atitude, palavra, imagem, gesto) baseada no pressuposto de que mulheres são inferiores devido ao seu sexo, o game com suas imagens e seu enredo, pelo contrário, parece indicar motivações profundas de que a mulher e seu corpo erótico possam ser valorizados enquanto poder e potência psíquicos tão fortes quanto o homem para buscar o equilíbrios entre a eterna luta de Eros e Thanatos.
Bayonetta não trata do corpo erótico nem da nudez feminina depreciando a condição de mulher. Destaca-a figurativamente como uma força de vida psíquica possível no enfrentamento dos desafios impostos pelos processos subjetivos. Potência de vida que é diferente dos preconceitos de gênero e de papéis sociais das ideologias machistas e estereotipadas. O game não diz que as mulheres devem ser sexy e poderosas, não normatiza, mas reconhece e sugere que esses atributos podem ser uma potência inclusive para enfrentar um machismo retratado por alguns NPCs do jogo.
Uma interessante reportagem de Isabel Valdez, no El País, de 24 de novembro de 2019, “A moda sexy empodera ou coisifica?”, questiona se a moda sexy hipersexualizada oprime e desempodera as mulheres. Conclui o artigo citando uma autora que contradiz o argumento: “um grupo menor, mas crescente, defende que a mulher têm o poder exclusivo de sexualizar sua pele, se assim o desejar, e que isso a empodera. É muito fácil encontrar exemplos que foram objeto de discussão: a roupa da apresentadora Cristina Pedroche nas campanadas da véspera de Ano Novo, os topless da atriz feminista Emma Watson na estreia de A Bela e a Fera, a maneira de vestir de Beyoncé e suas bailarinas… Nessa linha poderia entrar Polly Vernon, autora do livro Hot Feminist (2015). Ela não acredita que as imagens com as quais somos bombardeados sejam, por definição, prejudiciais: lembra que cresceu rodeada pela primeira geração de supermodelos e que pensava: “Elas são incríveis”, mas não se odiava por não ser como elas. “Algo aconteceu nessas décadas para que as mulheres se sintam cada vez mais desconfortáveis ao olhar para outras mulheres muito bonitas. É uma pena”. Em sua opinião, ensinar as adolescentes que a sensualidade as transforma em vítimas automáticas é “uma das mensagens mais desencorajadoras e prejudiciais da era moderna”.
Bayonetta não é sexista. É um game que destaca o reconhecimento das possibilidades psíquicas e socioculturais das representações da mulher em suas dimensões sexy, empoderada e livre para utilizar-se de suas forças psíquicas para enfrentar os desafios do viver.